quinta-feira, 26 de julho de 2007

A ÁGUIA GIGANTE


A ÁGUIA GIGANTE

Em tempos muito antigos, uma águia gigante ameaçava a segurança dos índios. A terrível ave de rapina devorou a tia dos dois poderosos ancestrais dos Caiapós. Um pai criou dois de seus filhos debaixo da água, para que se tornassem homens fortes, capazes de matarem a tão temida ave e vingarem assim, a morte da parenta. Seus nomes eram: Kukrüt-kakó (osso de tapir) e ngo-k0n-ngri (cabaça pequena).

O pai construiu para as crianças uma armação de madeira com a qual as mergulhou na água, de modo a ficarem de fora apenas os seus rostos. De cinco em cinco dias, a mãe ia ver seus filhos e lhes levava beiju de mandioca, para comerem. O rio em cujas águas eles se tornaram gigantes era o Koka-ti, o grande Araguaia.

Naquele tempo, os indígenas eram todos muito pequenos e fracos, somente estes dois meninos do rio cresceram gigantes. Entretanto, os índios da aldeia, nada sabiam sobre eles, já que somente os pais visitavam os filhos. Quando tornaram-se homens, o pai deixou que saíssem das águas, foi quando passaram a viver na aldeia na companhia de seus pais. Mas todos se amedrontaram com aqueles gigantes, dos quais o pai e a mãe jamais lhes haviam falado. O pai construiu para os filhos uma casa gigante e lhes falou da ave rapina que tinha devorado sua tia paterna. Dão, os filhos partiram em busca da ave, a fim de vingar a morte da tia.

Lá muito longe, na borda do grande cerrado, havia uma enorme árvore, cujos ramos abrigavam o ninho da águia gigantesca. Suas garras eram tão grossas quanto um tronco de árvore, a cavidade de sua boca era parecida com a fauce do tapir, suas plumas lembravam folhas de bananeira e seus olhos eram de um tamanho aterrorizador. A ave já havia devorado muitos indígenas: facilmente os tomava em suas garras enormes e os levava pelos ares. Os índios viviam aterrorizados, e temendo-a, nem se arriscavam a ir para fora da aldeia.

Os homens gigantes foram até a árvore onde estava o ninho da águia, armados de machado e lança, cuja ponta era feita de um grande osso de jaguar. Ao aproximarem-se a águia os avistou e imediatamente precipitou-se sobre um dos homens, que se defendeu com o machado. O outro, veio então correndo e matou-a com a ponta óssea da lança. Na luta entre a águia e os dois indígenas, a ave perdeu sua penugem. Os dois ancestrais Caiapós sopraram no monte de penas, espalhando-as em todas as direções do vento. Com isso, a penugem transformou-se em pássaros pequenos e, desde então, existem pássaros de toda a espécie.



Pela descrição deste mito, sabe-se que nos primórdios da humanidade, a terra estava bem distante de ser considerada um verdadeiro paraíso. O homem em confronto com a natureza sentia-se fisicamente fraco e impotente, ficando ao domínio do terror exercido por um monstro, a águia gigante. Até que a ira e a sede de vingança, motivos sempre presentes entre os Caiapós, foi decisiva para a reformulação das condições de vida, inspirando-os a se tornarem heróis dos tempos primitivos, com condições de matarem o monstro e transformarem os índios em um povo valente e forte.
A proeza universal decisiva, realizada por dois irmãos, é o assassínio mítico, a matança do monstro, da ave-gigante, que ameaça a humanidade, indefesa a ela exposta. Eles libertaram os indígenas do seu estado de impotência e fraqueza e lhes conferindo a autoconfiança, fator essencial das virtudes, da masculinidade, no sentido da ética indígena.

Após a matança, os heróis sopram a penugem da águia-gigante morta e as penas espalhadas pelos ares, continuam voando como pássaros. Surgem então, pássaros de todas as espécies e todas as cores. As peninhas menores da penugem transformou-se no menor dos pássaros, o beija-flor.
Nesta passagem, visualiza-se a concepção do mundo Caiapó da criação e evolução, a partir do assassínio mítico, da morte de um ser superior. Contudo, com a morte também observamos o renascimento, pois das penas da ave é gerado o mundo dos pássaros. Mas o motivo do feito universal da morte e da criação também está relacionado com um motivo típico para os Caiapós, o da transformação por um ato perpetrado no afeto. Ainda sob o impacto da luta vitoriosa e da derrota do adversário, os heróis sopraram na penugem deste, provendo assim a formação de todo o mundo das aves.

No que se refere à relação entre homem e animal, para o índio, a caçada representa uma luta até as últimas conseqüências, com o objetivo da matança. Entretanto, o animal continua sendo considerado um parceiro, do qual o indígena depende. A luta é uma competição de forças com tal parceiro que, sob vários aspectos, pode ser superior ao homem. Muitas vezes, o homem é obrigado a empenhar todas as suas forças, toda a sua habilidade, valentia e sabedoria, de modo a não sair derrotado. Tal empenho de toda a sua personalidade, culminando na vitória final, proporciona ao indígena o maior e mais intenso de todos os prazeres da vida. Mas o animal é inimigo apenas em relação à caçada, à luta que traz a morte.
Apesar de tais mal-entendidos, de luta e caça, o animal continua sendo parceiro do homem e, entre ambos, até podem existir laços de afeição. Tais aspectos se manifestam no dia-a-dia do nosso indígena que lamenta a morte de seus animais domésticos da mesma forma como de um parente ou amigo.

Devemos hoje, termos a humildade e sapiência para reconhecermos que os povos mais desenvolvidos tecnologicamente, nem sempre são os mais sábios, muito menos os mais felizes. Devemos ser capazes de lembrar que, como escreveu o chefe Seattle, “os cumes rochosos, os sulcos úmidos do campo, o calor do corpo do potro e o homem, todos pertencem à mesma família”.

(RENATO WELBERT)

Texto retirado de minha encíclica.

ÁGUIA


A águia
A águia é a ave que possui a maior longevidade da espécie. Chega a viver cerca de 70 anos. Porém, para chegar a essa idade, aos 40 anos, ela precisa tomar uma séria e difícil decisão. Aos 40 anos, suas unhas estão compridas e flexíveis e já não conseguem mais agarrar as presas, das quais se alimenta. O bico, alongado e pontiagudo, se curva. Apontando contra o peito, estão as asas, envelhecidas e pesadas, em função da grossura das penas, e, voar, aos 40 anos, já é bem difícil! Nessa situação a águia só tem duas alternativas: deixar-se morrer... Ou enfrentar um dolorido processo de renovação que irá durar 150 dias. Esse processo consiste em voar para o alto de uma montanha e lá recolher-se, em um ninho que esteja próximo a um paredão. Um lugar de onde, para retornar, ela necessite dar um vôo firme e pleno. Ao encontrar esse lugar, a águia começa a bater o bico contra a parede até conseguir arrancá-lo, enfrentando, corajosamente, a dor que essa atitude acarreta. Espera nascer um novo bico, com o qual irá arrancar as suas velhas unhas. Com as novas unhas ela passa a arrancar as velhas penas. E só após cinco meses, "renascida", sai para o famoso vôo de renovação, para viver, então, por mais 30 anos. Muitas vezes, em nossas vidas, temos que nos resguardar, por algum tempo, e começar um processo de renovação. Devemos nos desprender das (más) lembranças, (maus) costumes, e, outras situações que nos causam dissabores, para que continuemos a voar. Um vôo de vitória. Somente quando livres do peso do passado (pesado), poderemos aproveitar o resultado valioso que uma renovação sempre traz. Destrua, pois, o bico do ressentimento, arranque as unhas do medo, retire as penas das suas asas dos maus pensamentos e alce um lindo vôo para uma nova vida. Um vôo de vida nova e feliz.

(RENATO WELBERT)